Era final de férias, verão, e Juiz de Fora estava abafado com aquele calourão que
precede as grandes tempestades. Chuvas que, a despeito de despertar certo medo ancestral,
lavam a alma e provêm água para os meses de seca no outono e inverno. Rud estava, como o
tempo, experimentando certa inquietude. Arrumava partes de sua casa, com se procurasse algo,
mas não tinha ideia do que, quando se deparou com um caderno. Caderno desenhado, folhas
sem pauta, anotações soltas e algumas folhas com canções. Sentou-se e abriu-se. Leu: “No
limiar é que fica o buraco da agulha”. Passou um filminho no pensamento... a oficina de
novembro, a sala cheia, as canções, os grupinhos onde pudera contar alguns casos pessoais
onde havia tocado seus limites... Nossa!, pensou, como foi intenso aquele tempo ligeiro de
oficina. Depois lembrou do texto para ler, ‘Explicar ou Retratar?’, do convite a escrever um diário.
A chuva desabou! Correu, fechou janelas, a eletricidade acabou. Gostoso fim de tarde, com chuva
forte lá fora e o são silêncio sem motores vibrando. Aproveitou. Foi reler suas anotações... A
chuva, como veio, foi passando, incrível como se afinavam. Algumas janelas foram abertas, junto
com o caderno...
Foi lendo e foi relembrando; pegou lápis e foi completando, pois agora já via melhor
algumas coisas. Foi se dando conta de quanto havia caminhado de novembro até fevereiro! Deuse
festa no caderno e dentro de Rud. O passado realizou sua maior vocação, virou
contemporâneo. Rud foi logo melhorando uma frase: O que nos une nas oficinas de sexta à noite
é um desejo de nos desenvolver, de nos qualificar e humanizar a nós mesmos, para então
podermos nos transbordar e acolher o caminhar de nossas filhos e alunos, e aos grupos e
coletivos dos quais participamos. Para deixar bem, claro sublinhou a nós mesmos.
Saboreou aquele pensamento... trabalhar sobre si mesmo, não por egoísmo, ou
narcisismo de ser melhor, mais feliz, iluminado. Sim, tudo isso, mas a serviço do outro, do
entendimento e aceitação do caminho do outro. Qualificar minha relação com o outro, como
transbordamento de minha relação comigo mesmo. O outro meu filho, meu aluno, meu colega,
conjuge, todos eles companheiros e companheiras de jornada.
Puxa , aqueles pensamentos preencheram a alma de Rud. A chuva, agora gotinhas,
trouxera um frescor para aquele entardecer. Esquentou água e preparou um chá de hortelã e,
broinhas de fubá logo foram postas sobre a mesinha em frente. Seguiu de volta ao caderno, que
a essa altura, era si mesmo. Leu uma associação de duas palavras LIMIAR - LUMIAR. Porque
havia escrito aquilo? Lumiar lembrava iluminar. Humm... Um gole de chá. Passou os olhos no que
colhera na plenária depois dos grupinhos onde cada um contou seus casos de limite. E não
acreditava no que seus olhos viam e no que seus pensamentos, agora bem acordados, captavam
e cocriavam naquela instante, de mãos dadas com a memória. Como se não bastasse isso, sem
saber de onde, veio à memória, uma interjeição forte, nome de uma obra de Wilhelm Reich,
‘Escuta, Zé Ninguém!’. Reich, num desabafo, contra a intriga e a difamação de suas pesquisas,
nos idos dos anos 40, escreve esse texto, se referindo a cada um de nós, como produtores de Rud, paineirante como você!
Era final de férias, verão, e Juiz de Fora estava abafado com aquele calourão que
precede as grandes tempestades. Chuvas que, a despeito de despertar certo medo ancestral,
lavam a alma e provêm água para os meses de seca no outono e inverno. Rud estava, como o
tempo, experimentando certa inquietude. Arrumava partes de sua casa, com se procurasse algo,
mas não tinha ideia do que, quando se deparou com um caderno. Caderno desenhado, folhas
sem pauta, anotações soltas e algumas folhas com canções. Sentou-se e abriu-se. Leu: “No
limiar é que fica o buraco da agulha”. Passou um filminho no pensamento... a oficina de
novembro, a sala cheia, as canções, os grupinhos onde pudera contar alguns casos pessoais
onde havia tocado seus limites... Nossa!, pensou, como foi intenso aquele tempo ligeiro de
oficina. Depois lembrou do texto para ler, ‘Explicar ou Retratar?’, do convite a escrever um diário.
A chuva desabou! Correu, fechou janelas, a eletricidade acabou. Gostoso fim de tarde, com chuva
forte lá fora e o são silêncio sem motores vibrando. Aproveitou. Foi reler suas anotações... A
chuva, como veio, foi passando, incrível como se afinavam. Algumas janelas foram abertas, junto
com o caderno...
Foi lendo e foi relembrando; pegou lápis e foi completando, pois agora já via melhor
algumas coisas. Foi se dando conta de quanto havia caminhado de novembro até fevereiro! Deuse
festa no caderno e dentro de Rud. O passado realizou sua maior vocação, virou
contemporâneo. Rud foi logo melhorando uma frase: O que nos une nas oficinas de sexta à noite
é um desejo de nos desenvolver, de nos qualificar e humanizar a nós mesmos, para então
podermos nos transbordar e acolher o caminhar de nossas filhos e alunos, e aos grupos e
coletivos dos quais participamos. Para deixar bem, claro sublinhou a nós mesmos.
Saboreou aquele pensamento... trabalhar sobre si mesmo, não por egoísmo, ou
narcisismo de ser melhor, mais feliz, iluminado. Sim, tudo isso, mas a serviço do outro, do
entendimento e aceitação do caminho do outro. Qualificar minha relação com o outro, como
transbordamento de minha relação comigo mesmo. O outro meu filho, meu aluno, meu colega,
conjuge, todos eles companheiros e companheiras de jornada.
Puxa , aqueles pensamentos preencheram a alma de Rud. A chuva, agora gotinhas,
trouxera um frescor para aquele entardecer. Esquentou água e preparou um chá de hortelã e,
broinhas de fubá logo foram postas sobre a mesinha em frente. Seguiu de volta ao caderno, que
a essa altura, era si mesmo. Leu uma associação de duas palavras LIMIAR - LUMIAR. Porque
havia escrito aquilo? Lumiar lembrava iluminar. Humm... Um gole de chá. Passou os olhos no que
colhera na plenária depois dos grupinhos onde cada um contou seus casos de limite. E não
acreditava no que seus olhos viam e no que seus pensamentos, agora bem acordados, captavam
e cocriavam naquela instante, de mãos dadas com a memória. Como se não bastasse isso, sem
saber de onde, veio à memória, uma interjeição forte, nome de uma obra de Wilhelm Reich,
‘Escuta, Zé Ninguém!’. Reich, num desabafo, contra a intriga e a difamação de suas pesquisas,
nos idos dos anos 40, escreve esse texto, se referindo a cada um de nós, como produtores de uma auto imagem cambiante entre um ‘grande poder’ e uma ‘grande fragilidade’. Como se esses
dois pólos pudessem ser separados. Assim Rud, quando pensava na plenária da oficina de
novembro, após os grupinhos, não conseguia deixar de ouvir as falas dos participantes
precedidas desse: “Escuta, Zé Ninguém!” No sentido de convidar-nos a romper com essa
separação entre força e fragilidade, sabendo que uma é parte inseparével da outra. E foi assim
que Rud reviveu aquela plenária: Escuta, Zé Ninguém!
O limiar de nossas possibilidades é um momento em que a solução não está em
nossas mãos, posto que esgotamos nossas possibilidades de atuação e, o fantástico é que
justamente por isso, algo inusitado, inesperado pode surgir. Se nos abrirmos, outras pessoas
virão e complementarão nossa visão, ‘co-laborarão’. Um novo movimento vai se por em marcha
pois, se prestarmos atenção nada na vida acontece do jeito que a gente pensa e isso pode ser
um grande alívio. Não estamos no controle. Controlar não é de nossa natureza. Rud, sublinhou e
exclamou: Controlar não é de nossa natureza!
A impossibildade de controlar as situações pode ser sim desesperadora, nos
estressar e adoecer. A polaridade do controle chama-se consciência do possível, aceitação. O
que não deve ser confundido com passividade. Construir consciência sobre o que nos ocorre é
atitude extremamente ativa e corajosa. O limite de nosso poder, de nossas habilidades é um
convite a trabalharmos sobre nós mesmos e sobre nossa compreensão do está ocorrendo
naquele momento, a cada momento. Não se trata de criar uma ‘solução para o problema’, mas de
perceber o ‘próximo passo’, que já está alí, como parte do problema, por mais terrível que esse
possa ser.
E bem no cantinho de uma folha Rud leu ‘na idéia de limiar tem um medo, medo de
que?’, e num outro pedaço do caderno ele viu ‘na situação de limite você escuta seu verdadeiro
nome’ e ainda ‘encontramos um outro eu, que a gente não gosta’. Assim ele construiu: Escuta, Zé
Ninguém! O que você teme no limite de suas forças e se encontrar consigo mesmo, é o batismo
praticado por João Batista no Rio Jordão, levando as pessoas até o final de seu fôlego, no portal
da vida-morte, puxando então fortemente para fora d’água e dizendo o seu novo nome.
O chá estava acabando, assim como a luz natural. A sala estava inundada de um
tom róseo, vindo de um céu lavado e de nuvens leves. Rud fechou seus olhos e agradeceu.
Agradeceu pela oficina de novembro, pelo Paineirando e por tudo que se movia dentro de sua
alma, mesmo que adormecidamente.
Lembrou-se que era fevereiro, que a segunda oficina ocorreria em breve e que vira
no mural de entrada da escola o seu título: “A visão fresca é fruto de trabalho interior”. Estava
sentindo grande contentamento e se alegrou pela possibilidade de reencontro com outras
pessoas que estavam no mesmo-sempre-outro caminho.
Ouviu barulho no portão. (...) Seria por acaso seu novo nome chegando?
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Rud, seminarista e
paineirante de todo coração
Rud se
inscreveu nos seminários do Paineirando e, em novembro, quando se sentou na
ampla roda na sala do nono ano, uma pergunta ecoava em seu coração: ‘O que
estamos a tratar aqui? Qual o foco dos seminários?’ Alguém respondeu em alto e
bom tom: Estamos aqui para cuidar da saúde de nossa escola. ‘E o que
significa isso?’, perguntou Rud. A roda foi aos poucos construindo uma prosa
animada...
...O
Paineirando trabalha fiel ao convite antroposófico: “Toda educação é sempre
autoeducação”. Assim, cuidar da saúde de nossa escola, é cuidar da saúde da
vida e das práticas de cada professor, de cada colaborador profissional e
voluntário, de cada pai e mãe, de cada criança/estudante. Onde a qualidade das relações
entre todos e consigo mesmo é fundamental. Onde cada pessoa, independente de
seu papel, se pergunta: ‘O que eu tenho a ver com aquilo que se constrói aqui?’
E também: ‘O que aquilo que se constrói aqui tem a ver comigo?’ Consciência do
propósito, interdependência da ação e coragem na resposta à contemporaneidade.
Um belo tripé!!
Vários na
roda se sentem, aqui na Paineira, como numa nova família, a família do ideal,
onde o bem comum dialoga terna e tensamente com o bem privado; onde a utopia
coletiva redimensiona a consanguinidade e onde o legado é fruto saboroso,
alegre, leve e culturalmente intenso e qualificado.
E agora que
caminhamos para uma segunda turma de nono ano, adolescentes e jovens circulam
pelos corredores e assumem a escola como espaço social de referência. E, justo
esse ideal trino acima, é alimento forte para eles, os adolescentes; para suas
lutas e para ampliar sua visão de futuro. O que se constrói aqui, no dia a dia,
entre campinas verdejantes e lamaçais medonhos, é riqueza certa, pulsante e
autoral dessa comunidade. É referência viva e única do que somos juntos.
Como será
que os pais, professores, colaboradores da Paineira estão envolvidos com esse
ideal? São variadas respostas: “Cada um a seu modo. Cada um como pode. Uns pouco.
Outros intensamente.” Quem falta? O que falta para que mais pessoas se
comprometam? (para muito além da contribuição financeira). Essas perguntas, e
outras, iluminarão o caminho dos seminários!
Depois
desta rodada inicial sobre o propósito do grupo com os seminários, passamos a
construir a linha do tempo de nossa escola. Foi um belo exercício, e as
colheitas viverão por muito tempo dentro de cada um que participou da
atividade. Havia um sentimento de honradez compartilhada, entre todos e todas
que estavam naquela sala. Presenciar os passos de cada pessoa, desde a geração
pioneira, a segunda e a terceira gerações. Orgulho de ser parte! Uma mãe
presente disse com voz vibrante: “Os outros pais têm de saber do patrimônio que
é a Paineira”. Poderíamos passar páginas e páginas transitando pelas
fantásticas histórias ouvidas, de milagres frequentes, de coragem e riscos
emocionantes e de pungente compromisso. Tudo isso foi anotado belíssimamente em
declarações e fotos no blogue do Paineirando.
Esse
sentimento de nutrição anímica, de alma fortalecida, será precioso no trilhar
dos próximos meses do Paineirando, posto que uma alma fortalecida é esteio
certo nos momentos de desafios e de clareamento de visões do porvir.
Outro tema
com o qual nos nutrimos foi o convite do poeta e cientista alemão, do século
XIX, Goethe. Ele nos convida a prestar atenção nas transições entre momentos e
fases de nossas vidas; a prestarmos mais atenção às transições que aos estados
alcançados e/ou ultrapassados. Ele diz que a forma como um organismo (uma
pessoa, uma instituição) realiza suas transições, lida com suas crises, essa
maneira revela mais sobre ele/ela do que qualquer outra informação.
E Goethe
continua dizendo que ‘somente com nosso pensamento podemos enxergar essas
transições; aquela hora mágica e invisível em que um momento, uma situação se
transforma em outra. Podemos ir para frente e para trás e captar os sinais de
transformação. Porém, o sentido da transformação é uma cocriação
entre o que chamamos os fatos e as nossas escolhas e habilidades de
leitura.’ O nosso jeito de ver cocria a realidade.
Esse
conteúdo veio para fortalecer nosso interesse pelos diferentes pontos de vista
das pessoas sobre os fenômenos da vida e, também, para fortalecer nossa
compreensão sobre nossos processos pessoais de limites, assim como compreender
que quando esgotamos nossas possibilidades de compreensão, de ajuda e cuidado,
ali existe uma grande oportunidade de superação. Claro, tudo isso se aplica à
vida de cada um e também à vida da Paineira e todos seus complexos fenômenos.
Assim foi
ocorrendo o 1º seminário. Rud celebrava esses pensamentos e o clareamento de
sua consciência. Assim ele renovava seu entusiasmo pelo que vinha ao encontro
da escola, e crescia sua gratidão pelo que já havia ocorrido. Gratidão pelo
passado e entusiasmo pelo futuro. Rud se sentia intensamente Micaélico!
No decorrer
dos dois dias, outras pérolas foram peneiradas; ou será melhor dizer...
paineiradas? Vejamos algumas delas:
- O
tempo é remédio? Depende do que fazemos nesse tempo.
- Na
oscilação, no pendular a verdade se revela.
- O
perceber a transição entre os fatos, compreende sentir-se perdido em
vários momentos.
- Há
um tempo para cada ação, há um respirar adequado a ser encontrado.
- Mover-se
é sair da anestesia mortal - TALITA CUM - VEM PARA FORA. E na sequência da
cena: “Homens tirem a pedra”. A comunidade se compromete com o
renascimento de cada um, e tira a pedra que impedia a vida.
- Da
posição de ouvir, estamos sendo convidados a nos colocar.
- Estamos
sendo preparados para nos tornarmos reinventores, multiplicadores de um
bom trabalho.
Assim foi
um pouco desse 1º seminário! Terminamos com um belo suadouro no trabalho do
jardim de infância! Rud suou muito, estava se acostumando ao calor úmido dos
trópicos.
Os próximos
seminários se apresentam, vamos lá!!
2º Seminário - 20 e 21 de fevereiro de 2016 - FASES DE DESENVOLVIMENTO
DE UMA ORGANIZAÇÃO E SEUS 4 CAMPOS CONSTITUTIVOS - Trabalhando na emersão de
uma imagem compartilhada da escola.
3º Seminário - 16 e 17 de abril de 2016 - TENSÕES ENTRE AS DIVERSAS
LINHAS DE FORÇA PRESENTES EM UMA ORGANIZAÇÃO - Reconhecendo as tensões e o seu
potencial de gerar e sustentar a vida social.
4º Seminário - 18 e 19 de junho de 2016 - ORGANIZAÇÕES APRENDIZES, entre
o ofício de cartógrafas e o de navegadoras - Validando um Plano de Ação de
médio(3anos) e longo prazo(10 anos) para a Paineira Escola Waldorf.
5º Seminário - 13 e 14 de agosto de 2016 - A ORGANIZAÇÃO COMO ARENA PARA O DESENVOLVIMENTO INDIVIDUAL -
Integrando a vida da escola na missão individual
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